terça-feira, 26 de outubro de 2010

Entre o sonho e a realidade


«O crescimento da economia angolana foi dos mais elevados do mundo desde que alcançamos a paz», disse JES, repetindo o que já é repetido dezenas de vezes por dia nos “spots” publicitários do regime que a TPA apresenta desde há mais de um ano a esta parte. A partir desta realidade da Ciência Económica, embalada em números que escondem uma outra realidade, a do dia-a-dia do angolano, difícil, por vezes dramática, JES desbobinou um impressionante rol estatístico, apresentando-o como sendo prova cabal da boa governação da sua equipa.
Para dar alguns exemplos de elogios a si próprio e aos seus “boys”, ficamos a saber que “entre 2002 e 2008 o Produto Interno Bruto (PIB) multiplicou-se por 2,6 e a taxa média anual de crescimento cifrou-se em 14,6 por cento”; que “a taxa média de crescimento anual do PIB não petrolífero foi de 13,3 por cento, contra 10,9 por cento do PIB petrolífero», (…) «o que atesta o sucesso da política de diversificação da economia, indispensável para se assegurar o crescimento do emprego e o equilíbrio territorial em termos de desenvolvimento»; que «no âmbito da Saúde, a esperança de vida subiu de 44 anos em 2000, para 47 em 2008»; que «a taxa de mortalidade infantil diminuiu cerca de 60 por cento em oito anos e no mesmo período, a percentagem de partos assistidos por profissionais formados aumentou de 22 para 49 por cento e a taxa de mortalidade materna foi reduzida para menos de metade»; «também a taxa de imunização de crianças entre 12 e 23 meses subiu de 41 por cento, em 2000, para 79 por cento, em 2008 e a prevalência de morbilidades por febres ou malária baixou de 15 por cento em 2006, para 10,7 por cento em 2008»; que «em 2000, a geração de energia eléctrica nas suas diversas modalidades foi de 1.426 gigawatts/hora, quando em 2009, esse total atingiu 4.914 gigawatts/hora, ou seja, um aumento de cerca de 3 vezes e meia»; que «a capacidade de produção de água tratada passou de 430,9 mil metros cúbicos em 2006 para 705 mil metros cúbicos em 2009, um aumento de 81 por cento….
E chega. Há muito mais números a referir, todos eles abonatórios para o exercício exemplar, “alto nível”, que o chefe desejava atribuir à sua governação. Mas ficamos por aqui, nesta indigesta apresentação, por três principais razões: primeiro porque, a nosso ver, estes dados devem encerrar um erro algures, pois o que se vê nada tem a ver com tanta fartura de progressos; segundo, porque nos próprios enunciados do discurso de JES descobrimos contradições; terceiro, porque este discurso será compreendido por pouco mais de 0,1% dos angolanos.
A determinada altura do dito, referindo-se à diversificação da economia angolana como sendo já um enorme sucesso, JES diz, «conseguimos criar no ano de 2009 mais de 385 mil empregos nos sectores da energia, do comércio, da agricultura, das pescas, dos transportes, das obras públicas, da geologia e minas, da saúde, da indústria e da hotelaria e turismo».
Mas noutra passagem também afirma que, devido à crise mundial (2009), «o impacto da queda da receita petrolífera na receita tributária do país foi enorme, uma vez que mais de dois terços dessa receita provêm da actividade petrolífera». E ainda, «(…) a queda da procura e dos preços dos diamantes (e do petróleo), levaram as empresas a reduzir a sua intervenção e assim aumentou o desemprego”.
Então como é o desemprego?, aumentou ou diminuiu?
De acordo, o que se quer dizer é que o emprego diminuiu nas áreas mais afectadas, os petróleos e os diamantes. Mas, será que terá mesmo diminuído nos outros sectores da economia, todos eles afectados pelas drásticas reduções de entradas de receitas nos sectores chave? Estamos em crer que, mesmo sendo aproximadamente inexacto (?) terem aparecido no mercado esses postos de trabalho, noutras áreas, a começar pelo que se passou com a extinção do Roque Santeiro, com as sucessivas chegadas de refugiados do Congo RDC, com a estagnação das obras de construção civil devido à dívida do “governo”, enfim, tudo isso e mais, esses 385 mil postos de trabalho não estamos a ver como nem onde é que eles vieram melhorar a situação do país.
Com esta abordagem chegamos precisamente ao “caso” da dívida angolana a variadíssimas empresas, algumas delas portuguesas (ver quadro).
A esse respeito, JES diz no seu discurso: «Hoje essas dívidas estão regularizadas, pois uma parte foi paga imediatamente e a outra será paga de modo escalonado, como foi acordado com as partes interessadas até ao primeiro trimestre de 2011».
O que é que o Sr. presidente entende por regularizar dívidas, quando, segundo o que afirma, uma parte das mesmas ainda não foi paga? A nosso ver, pelo que foi lavrado no discurso, as dívidas foram objecto de um acordo entre as partes, portanto, parcialmente regularizadas. Apenas parcialmente, ou não será assim?
Mas, de contradições assim, avanços formidáveis no papel e na prática nada, está o discurso cheio. Só mais duas.
Disse JES: «Em 2000, a geração (de energia eléctrica) nas suas diversas modalidades foi de 1.426 gigawatts/hora. Em 2009, esse total atingiu 4.914 gigawatts/hora, ou seja, um aumento de cerca de 3 vezes e meia»; «a capacidade de produção de água tratada passou de 430,9 mil metros cúbicos em 2006 para 705 mil metros cúbicos em 2009, um aumento de 81 por cento».
Formidável. Mas neste momento a Corimba está há mais de um ano sem água, a não ser às pingas, e não só a Corimba, em muitos outros sítios da cidade também; neste momento tem zonas do centro de Luanda sem luz durante horas, por vezes dias ou mesmo semanas. Tudo às escuras! Para onde foram os gigawatts?
Aqui chegados, temos a salientar que estas reflexões sobre a discrepância entre as palavras e os factos é demasiado enorme e a nossa abordagem está muito longe de ser exaustiva. Por outro lado, ao ouvir este discurso, independentemente do teor, aplaudimos o gesto de JES, por ser um passo em frente para a instauração da democracia em Angola. Só lamentamos o facto de continuarmos a ser tratados como crianças: uma hora e dez minutos de elogios ao regime sem uma única alusão a um erro cometido? Serão deuses essas personagens que nos governam, todas elas de passagem?

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