terça-feira, 16 de agosto de 2011

A Inquisição em Angola em 2011. Tortura moderna de marca angolana


Anka Sankara

No dia 11 de Agosto, na sessão de julgamento, em que é acusado o director do Folha 8, por crimes de difamação, calúnia e injúria, pelos generais, Hélder Vieira Dias Júnior, Kopelipa (ministro de Estado e chefe da Casa Militar da Presidência), José Maria (director dos Serviços de Inteligência Militar), Francisco Pereira Furtado (antigo chefe do Estado Maior General das FAA), Hélder Pitta Groz(Procurador Geral das Forças Armadas) e Sachipendo Nunda(actual Chefe do Estado Maior das FAA) e Silvio Burity (director Nacional das Alfândegas), realizada na Sala dos Crimes Comuns da 7ª Secção, dirigida pelo juiz, Manuel Pereira da Silva, também conhecido por Manico, foi perpetrado nas barbas da justiça de Angola um acto de verdadeira tortura física.
O juiz violou o art.º 36.º da Constituição de Angola, que diz:
(liberdade à liberdade física e à segurança pessoal)
1. Todo o cidadão tem direito à liberdade física e à segurança individual.
2. Ninguém pode ser privado da liberdade, excepto nos casos previstos pela Constituição e pela lei.
3. O direito à liberdade física e à segurança individual envolve ainda:
a) o direito de não ser sujeito a quaisquer formas de violência por entidades públicas ou privadas;
b) o direito de não ser torturado nem tratado ou punido de maneira cruel, desumana ou degradante;
c) o direito de usufruir plenamente da sua integridade física e psíquica;
d) o direito à segurança e controlo sobre o próprio corpo;

Dos factos
Quando, nesse dia, 11 de Agosto de 2011, a sessão foi aprazada para as alegações orais, o jornalista/director do Folha 8 e também advogado, William Tonet (WT), numa altura em que não estava a ser interrogado na sua condição de arguido, foi obrigado a ficar de pé mais de 4 horas e, por isso, acometido de uma forte e grave lesão, teve de abandonar a sala onde estava a ser julgado e acabar por ficar estatelado no chão duma outra sala, no caso, da 5ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda.
O desfalecimento de WT deu-se numa altura em que o juiz, depois de ter rejeitado sem qualquer justificativo legal um requerimento do advogado de defesa no sentido de autorizar que o arguido se sentasse, ter interrompido a sessão solicitando um intervalo de 20 minutos para redigir os quesitos. Infelizmente, os 20 minutos prolongaram-se por mais de hora e meia e foi neste período de tempo que as dores atingiram o seu pico, impedindo inclusive William Tonet de se aguentar sentado e daí ter caído inanimado numa outra sala de julgamento.
Só depois de ter sido informado por intermédio do seu advogado, Dr Tiago Ribeiro, que WT tinha desmaiado devido ao tempo excessivo em que ficou de pé, é que o juiz perguntou se o arguido estava em condições de continuar, ao que lhe foi respondido que não, que depois de quatro horas de tortura física, sem qualquer respaldo na lei, o dito cujo não se encontrava em condições para prosseguir a sessão, salvo se o juiz assim determinasse.
Diante das evidências e depois de o advogado dizer que, caso se continuasse e o estado do seu cliente piorasse ele teria de assumir as responsabilidades da ocorrência, é que o juiz se deu conta da sua insensata e dantesca medida, adiando a sessão para o dia 10 de Outubro. Data remota, sem dúvida, por Manuel da Silva ter de se ausentar para o exterior do país em tratamento médico.
Estranho em tudo isso é que este magistrado, com este comportamento típico dos oficias “pidescos” ligados as Seguranças de Estado, seja membro do Conselho Superior da Magistratura Judicial!

Origem e meandros dos trâmites do processo
O juiz que tomou a seu cargo os processos em que está implicado o director do Bissemanário F8, William Tonet, como supracitado e recitado, é o Dr. Manuel Pereira da Silva, tcp, Manico, muito ligado às orientações partidárias e defensor dos interesses do regime.
Sendo isso um facto indesmentível, mas também perfeitamente compreensível, pois tal agregação partidária lhe assiste como direito, não se entende todavia que ele possa ser um juiz com esta postura e ao mesmo tempo vogal do Conselho Superior da Magistratura Judicial, cuja obrigação primeira seria de pautar pela neutralidade e equidistância nos julgamentos ligados, por pouco que seja, a conotações de ordem política.
Se ele pertence a esse órgão de decisão autónoma, e por não ser este um caso isolado ou raro, mas, pelo contrário, propositadamente recorrente, então podemos aferir que um dos males da justiça angolana vem daí, dessa ausência de neutralidade, sem a qual a sapiência que se impõe e incumbe a um órgão como este não estar de modo algum contemplada, pelo contrário, sofrer de maleita inata e sem cura.
Por essa razão ainda, também não é preciso ser bruxo para ver que o processo de WT, não tendo pernas para andar, o Dr. Manico, na sua qualidade de juiz soberano, descaradamente adoptou por uma política clara e ditatorial com o objectivo de humilhar William Tonet, sem levar em conta ser ele jurista e advogado e como tal merecedor de outro tipo de reconhecimento e merecer um tratamento digno.
Anote-se que esta asserção, “o processo não tem pernas para andar”, não é uma declaração premonitória especulativa, ela baseia-se no facto, real e incontornável, de a magistrada do Ministério Público, a procuradora Rosa ter solicitado a absolvição de William Tonet na maioria dos processos que o afligem, tirando, como excepção, ele ter de pagar em co-solidariedade, uma indemnização em relação à notícia sobre a custódia dos generais Kopelipa e Zé Maria na Polícia Judiciária Militar, artigo esse que, embora também não tivesse sido assinado por ele, WT assumiu por, neste caso como nos outros, estar a responder na qualidade de director-geral do F8 e não como autor dos artigos incriminados.
A esse propósito vêm à baila dois aspectos que aqui em seguida vou mencionar e podem justificar estas atitudes pidescas do senhor doutor Manico.

1) O juiz foi o presidente da Comissão Provincial Eleitoral de Luanda, onde houve a fraude maior em 2008, com a introdução de urnas e votos a mais. Curiosamente, essas preciosas caixinhas estavam à guarda da Casa Militar, da Presidência da República, órgão que não devia ter competência para isso, mas que no quadro da batota e fraude o fez para permitir aquela expressiva diferença de votos. E, adivinhem quem foi um dos principais artífices desta engenharia da batota, que contou com a omissão e cumplicidade do director provincial das eleições, o juiz Manico? Nada mais, nada menos do que o general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior Kopelipa, um dos acusadores de William Tonet e, ao que tudo indica, chefe do juiz da causa, o qual, por dever obediência ao seu chefe ter a todo o custo de forçar uma medida para o satisfazer. Feliz coincidência, não é!?...

2) O juiz tem estado a insistir no sentido de William Tonet denunciar os seus jornalistas. Mas este recusa, argumentando que, se na fase de instrução preparatória, na DPIC (Direcção Provincial de Investigação Criminal), nunca ninguém esteve preocupado com isso, não seria agora em julgamento que ele iria denunciar, numa clara traição, os seus colegas. Por isso, face a esta insistência do juiz, o director do F8 disse assumir inteiramente essa responsabilidade.
O mal, a razão por que WT foi chamado a tribunal é a sua postura ser contrária ao objectivo de JES e MPLA de calar os jornalistas em fase pré-eleitoral, principalmente os que não aceitaram ser corrompidos a ponto de venderem os seus órgãos ao regime, como o Folha 8 ou o Agora, que são os únicos que não pertencem ao dispendioso “lobby de engraxadores do regime”, pois toda a outra imprensa privada foi comprada.

WT já foi condenado
O que aconteceu no dia 11 de Agosto configura em todo o seu estendal uma atitude parcial do juiz, uma vez não haver nenhuma necessidade de este fazer um recurso rigoroso a uma exigência não contemplada de forma explícita pela norma, ao obrigar William Tonet a se manter em posição erecta durante 10 horas, no primeiro dia, e depois 4 horas, negando mesmo todos os requerimentos dos seus advogados, Doutores Tiago Ribeiro e David Mendes, solicitando autorização que permitisse ao arguido ficar sentado por motivo de cansaço, por este ser um direito constitucional, art.º 36º.

Uma maneira moderna de torturar e de anunciar
uma sentença antes da sua proclamação oficial.

E depois o quê?...
William Tonet tem as rótulas dos dois joelhos rachadas, sustentadas com platina, como que duas medalhas a consagrar o seu sofrimento em combate, na defesa dos interesses do MPLA, onde foi para a mata com três anos, com seu pai, um dos fundadores da 1ª região - caricata realidade -, e a permanência prolongada de pé causa-lhe não só fortes dores, como pode causar, tendo sido esse o caso, o deslocamento das mesmas prendendo os músculos, o que o levou a desfalecer.
Foi o que lhe aconteceu nesse dia, depois de uma noite em claro quase sem dormir, na labuta de fecho do Folha 8 ter de aturar uma birra de um juiz, que foi sindicalista da UNTA-central sindical do MPLA e membro influente da DISA, a polícia secreta e sangrenta do regime, que em 1977 foi responsável pela condenação e assassinatos de mais de 60 mil pessoas, dentre as quais Nito Alves e Zé Van-Dúnem.
De recordar ainda que no 27 de Maio de 1977, quatro membros da família Tonet foram presos; o seu pai, ele (WT) e dois tios que foram enterrados vivos. Por tudo isso, penso que a luta de William Tonet, persistente e sem medo, continua e a vitória (da verdade) é certa! Que o digam os ditadores de todo o mundo, a começar por Hosni Moubarak do Egipto.
Imagem: Galileu diante do Santo Ofício, pintura do século XIXde Joseph-Nicolas Robert-Fleury. Wikipedia

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