Não está em mim ser um super-homem ou imortal. Logo não posso escolher o comodismo e a omissão, quando ainda me corre o sangue quente nas veias do inconformismo.
Tenho pautado sempre a minha vida na defesa de valores pelos quais acredito e, disso não abdico, mesmo que chovam picaretas, morcegos ou bombas. Não sou o cidadão acomodado, indolente e sem iniciativa, que fica a esperar que as coisas aconteçam. Escolho o risco calculado de sonhar, de construir, de ser solidário, de dar voz a quem não tem voz, de errar, de realizar e alcançar o sucesso.
Enquanto autóctone angolano, revoltado com a miséria de milhões e a riqueza de uns poucos, que se aboletam dos milhões de dólares dos milhões de indígenas, não me posso conformar com este estado de injustiças.
Daí, preferir os desafios da vida a uma existência cúmplice, calando em meu redor as novas formas de exploração dos povos de Angola. Não troco a minha liberdade por caridade, nem a minha dignidade, pela fama parida ou pelos dólares da corrupção, que tudo pretendem silenciar.
O meu maior património e disso me orgulho, por me ter sido legado por meu finado pai quando me levou para os húmus libertários, é agir de cabeça erguida, com a protecção do Senhor. Ainda que se movimente a ferocidade dos ímpios terrenos que silenciam, corrompem e matam quem os denúncia, manter-me-ei firme na minha trincheira.
Não se trata de ter medo da morte, mas apenas perguntar aos algozes por que razão querem adiantar a minha morte, se eles também a ela se juntarão um dia de qualquer forma e jeito.
Mas hoje, vou cingir-me à denúncia da forma degradante herdada do período colonial a que são submetidos os réus, pelos juízes, em Angola, despidos de qualquer dignidade, numa clara violação ao art.º 36.º da Constituição de Angola, que diz: “1. Todo o cidadão tem direito à liberdade física e à segurança individual.
2. Ninguém pode ser privado da liberdade, excepto nos casos previstos pela Constituição e pela lei.
3. O direito à liberdade física e à segurança individual envolve ainda:
a) o direito de não ser sujeito a quaisquer formas de violência por entidades públicas ou privadas;
b) o direito de não ser torturado nem tratado ou punido de maneira cruel, desumana ou degradante;
c) o direito de usufruir plenamente da sua integridade física e psíquica;
d) o direito à segurança e controlo sobre o próprio corpo;
Ora, se um réu é obrigado a ficar 10 horas ou 4h30’ de pé durante uma audiência de julgamento, ele está a ser duplamente julgado e a ser alvo de tortura directa e indirecta, pois não usufrui plenamente da sua integridade física e psíquica.
E o mais grave é não haver nenhuma norma que obrigue a tal procedimento, podendo os réus com certas enfermidades físicas, por exemplo, com fracturas de rótulas, adquirir nova enfermidade decorrente da tortura infligida, como no meu caso, na coluna vertebral, e isso por decisão duma disposição meramente inquisitorial.
Como no meu caso, essa atitude do juiz tem muito a ver com o facto de ele tratar o réu como um ser menor e desprovido de direitos, tanto que nos tribunais de Angola, da Angola que se diz independente de Portugal, o réu senta-se isolado no chamado “banco dos réus”, distante do seu advogado, sem poder consultá-lo, confidenciar ou olhar para ele, sempre que estiver a ser interrogado, de pé, impedido de gesticular, significando ter de responder como se fosse um ser estático, isolado. Diferente do sistema americano onde o réu se posta, como cúmplice, ao lado do seu advogado, pode com ele traçar estratégias durante a sessão.
Infelizmente para os angolanos o nosso processo penal é de pendor colonial do século XIX, zelosamente preservado por alguns magistrados judiciais conservadores e caciquistas partidocratas, cegos ante a evolução do direito no século XXI.
Não se pode, por isso, estranhar o apego de muitos à tradição inquisitorial, adversa à consideração e respeito que são devidos ao réu enquanto ser humano, que por desvio de uma conduta, muitas vezes involuntária se encontra privado da sua liberdade ou a responder em juízo.
Uma revolução na justiça se impõe, por parte dos juízes democráticos para acabarem com práticas retrógradas, como a de aceitarem que todos os presos sejam julgados com a neocolonial farda de caqui castanho.
O réu pode e deve, em democracia, ir ao tribunal vestido com dignidade, pois goza de presunção de inocência e quando um juiz impõe a farda de caqui castanha, está a recuar e preconceituosamente aceitar posturas adoptadas no tempo colonial.
Como se pode verificar, muitas medidas tomadas por alguns juízes, alguns, repito, contra os réus, não têm base legal, pese o sistema processual adoptado em Angola ser do tipo napoleónico ou reformado.
É, por isso, necessária uma reforma comportamental dos magistrados judiciais, no tocante ao respeito pelos réus e, também, da disposição das salas de audiências dos tribunais em Angola.
Hoje, no reino da democracia partidocrata, os processos e queixas dos ricos e poderosos prosperarem na justiça, já o inverso, tratando-se de pobres a queixarem-se, nada prospera e quando tal ocorre, lá estão os magistrados caciquistas para inverterem o ónus da prova em ónus da culpa, branqueando face ao peso dos dólares da corrupção, as arbitrariedades dos poderosos.
Em suma, não existe na estrutura processual penal e na Constituição, que se quer democrática, um único artigo explícito que obrigue:
a) o arguido a ficar num “banco dos réus” isolado no meio da sala de audiência, virado exclusivamente para o juiz;
b) o arguido a não poder conferenciar com o seu advogado durante o interrogatório
c) o arguido a ser discriminado no tratamento em relação aos demais actores, quando forçado ilegalmente, a trajar uma farda de caqui castanha, quando ainda goza da presunção de inocência;
d) a lei penal e constitucional não impõe que durante o interrogatório do arguido este tenha de responder às perguntas de pé, sem se poder mover, durante horas a fio, quando o ofendido, as testemunhas e os declarantes o fazem sentados.
Se a lei, mesmo ultrapassada, não proíbe, as nossas instituições e magistrados de justiça devem afastar-se do sistema inquisitorial de auto-incriminação do arguido, do tipo colonial, por os tribunais independentes deverem guiar-se pelos princípios da legalidade, da imparcialidade, da objectividade e tratarem o arguido como sujeito no processo e não como objecto processual, sujeito a ver humilhada a sua honra e dignidade.
Pese todos os constrangimentos porque tenho passado, continuo fiel e a acreditar na protecção de Deus, pois tal como a EDEL, nos tem feito ao longo dos anos, um dia o Senhor, também, apagará a luz do caminho da ambição desmedida, de quem humilha e espezinha tantos e tantos autóctones.
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