quinta-feira, 19 de maio de 2011

O Pregador da fome (1)


Gil Gonçalves
No marxismo-leninismo tínhamos muito dinheiro mas, não havia nada para comprar. Agora, neste capitalismo selvagem há de tudo mas, não temos dinheiro para gastar.
Importar é necessário, fabricar não é necessário.
Vários conselhos para não morrermos à fome
Inclina-te quando entrares na casa dos novos-ricos, não fales nada contra, pode ser que te dêem alguma coisa para comer. Guarda sempre silêncio e não te apresses com a tua língua. Sejam sempre poucas as tuas palavras. Porque eles já conseguiram corromper os céus, e na terra onde estás não te resta nada. Consideram que os esfomeados sonham sempre com comida. Quando fizeres algum voto aos novos-ricos não tardes em cumpri-lo, porque senão nem um grão de arroz conseguirás. Promete que nas eleições votas neles. Cumpre a tua promessa. Assim conseguirás um pouco de carne para a tua boca. Evita sonhar alto, porque alguém pode ouvir. Aprende a temê-los. Sabes que nas províncias também há muita fome, mas não te maravilhes com isso. Os que nos governam estão atentos, e a curto, médio e longo prazo a fome aumentará. O proveito da terra e dos casebres é para eles. Só o rei se serve do campo. Amam muito o dinheiro e não se fartam dele. Quanto mais abunda mais o desejam.
É só neles que o dinheiro se multiplica, quanto mais têm, mais comem. O esfomeado dorme em qualquer lado. Os novos-ricos não conseguem dormir porque estão sempre com medo de serem assaltados. As riquezas guardam-nas e não as investem. E ainda reclamam por investimento estrangeiro. Quando apanharem definitivamente o petróleo, nem os nossos ossos se aproveitarão. E as riquezas deles perder-se-ão por causa das suas más aventuras.
A maldade de todas as fomes terrestres
Maldade de maldades! Diz o pregador, maldade de maldades! É tudo maldade. Que vantagem tem o esfomeado, depois do trabalho que fez e não recebe o seu salário? Uma geração de esfomeados perece, e outra, e mais outra, e ainda outra geração perecerá à fome; mas as terras dos especuladores enriquecem-nos cada vez mais. E nasce o petróleo, e põe-se o petróleo, renasce e volta sempre para o mesmo dono. A fome vai sempre para o Sul, é fingida no Norte. Continuamente vai girando a fome, e os seus círculos alargam-se e apertam e a fome volta sempre cada vez mais rápida. Todos os esfomeados vão para o mar e contudo ele não se enche; então para onde é que eles vão? Sempre para o mesmo sítio. São tantos os esfomeados que ninguém os consegue contar: os olhos e os ouvidos dos novos-ricos fartaram-se deles. Dizem que sempre foi assim, mas agora é demais. O que antes fizemos, tornaremos a fazer: de modo que lhes faremos ainda mais fome. Isto não é nada novo: mas isto é novo? Não! Já antes foi, agora são coisas do demo. Parece que ninguém já se lembra. Alguém não quer ter lembrança. Nos tempos próximos, quando todos morrerem à fome, ninguém se lembrará. E fiz com que a minha mente maldosa aumentasse o caudal de esfomeados. Que existem em cima e debaixo da terra. A ocupação da fome foi dada por mim aos filhos dos esfomeados, para receberem os primeiros ensinamentos. Atentei para todas as obras que os esfomeados fizeram sem receberem um salário digno. E eis que tudo era magnanimidade. O que nasce esfomeado, sempre assim permanecerá. Não havendo nada para comer, facilmente faremos cálculos. Falei para a minha mente maldosa. Eis que enriqueci com a fome que provoquei. Sou o mais maldoso, o mais rico, e nenhum houve antes de mim. E contemplei com grande contentamento os estragos que causei. E apliquei a minha mente maldosa a conhecer as loucuras que ainda farei. E vim a saber que existe tal infinidade delas, que a todas utilizarei. Quanto mais sofrimento provocar mais me exaltarão. Porque na minha maldade nunca há cansaço. E o que aumenta em fome, não aumentará em trabalho.
Os prazeres e as riquezas dão imensa felicidade aos maldosos
Disse eu na minha maldade. Vem, que eu te provarei com a tristeza. Portanto, goza a minha maldade. É tudo de má vontade. Do faminto disse: está com fome; de que serve a alegria a quem não tem nada para comer? Busquei na minha maldade como o meu cérebro ficaria depois de uma grande enxurrada de vinho. E vi nisso grande sabedoria e grande elogio à loucura. Achei que era o melhor para os esfomeados. Para todos os dias da sua vida. Obriguei todos os esfomeados a trabalharem para mim. E obtive grandes riquezas. Construí casas e obras magníficas. Atiro os restos da minha comida para o lixo, jamais a darei aos pobres esfomeados. Os famintos recolhem-na, festejam-na como um grande banquete e ainda agradecem. Queriam fazer uma grandiosa manifestação porque não lhes pago. Mandei a polícia em cima deles e depois obriguei-os a construírem jardins milionários e a plantar árvores de fruta. Não tinham direito a nada. Apenas um, a fome! Temos muita água. Incompreensivelmente escasseia. Como os esfomeados queriam destruir o que construí, enviei-lhes a polícia de choque e muita pancadaria levaram, e mais castigo lhes dei. Construíram grandes tanques de água para regar as minhas fazendas. Com tão grande exército de esfomeados, não me foi difícil contratar escravos e escravas, pois que os há em abundância. Nasceram muitos e muitas que aproveitei para tomarem conta das vacas, bois e ovelhas que já lhes tinha perdido a conta. Nunca ninguém ousou ser tão rico como eu. Depositei nos bancos estrangeiros o petróleo, diamantes e as jóias das províncias. Mandei vir cantores e cantoras forasteiros pagos a peso de petróleo para deliciarem os meus ouvidos. E fiquei muito poderoso e aumentei cada vez mais a minha riqueza. Teimei em manter a minha maldade. E tudo quanto quis consegui. Não privei a minha alma maldosa de trabalhos demoníacos. E esta foi a minha maior alegria. E olhei para todas as más obras que fiz na minha vida. E tudo era maldade e grande malvadez de espírito. E vi que havia grande proveito para os que me rodeavam. Então passei à contemplação da maldade. Segui e imitei todos os outros antes de mim. Farei pior que eles. E isso deu-me um grande prazer. Então vi que a maldade nos governa. Isto é mais excelente que as trevas.
Os olhos do maldoso estão em todo o lado. As trevas dos loucos são a sua companhia. Pelo que, disse no meu coração diabólico. Porque procurei mais a maldade? Então disse sem coração, que também isto não é novidade. Porque sempre haverá mais lembrança do maldoso, que se sente feliz em ver os que governa a morrerem à fome. E no futuro total esquecimento haverá dos que não têm nada para comer. Pelo que abençoei esta vida e tudo o que roubei. E vi que isto não me deu trabalho nenhum. Porque nunca fiz nada de útil. Senti-me muito alegre ao saber que depois de mim não deixarei nada. Destruirei tudo para que os meus seguidores não gozem o que me pertenceu. Quem sabe se ele é um daqueles pobres idiotas bondosos que não gosta de riqueza? Depois vai distribui-la?! Isto é que é grande maldade. Olhei para a maldade do meu coração e ele disse-me: não dês essa esperança a alguém que vai ficar com os teus bens, em que não trabalhaste debaixo do solo. Porque um maldoso trabalha sem sabedoria e ciência. Também isto não é contrariedade. Porque, que restará a um homem que trabalhou honestamente durante a sua vida? E haverá alguma grande fortuna que foi ganha honestamente? Exceptuando as lotarias e quejandos claro! Porque todos os dias, os que roubam os miseráveis esfomeados, os seus corações não descansam. Não dormem, permanecem ocupados onde farão o próximo roubo. Também isto não é novidade. Não é mau para o homem que come e bebe, e que goze a sua alma do mau trabalho que fez!?. Isto vem da mão do MPLA. Quem pode comer ou gozar melhor do que eu? Quem quiser comer que roube. Porém a polícia está à espreita para disparar, porque quem tem fome, não tem direito a comer. Porque ao homem que é mau, dá o MPLA maldade. Ao faminto dá-lhe o trabalho de procurar comida nos caixotes do lixo. E espera que ele amontoe e armazene para depois lhe tirar. Também isto é eternidade.
A abóbora cresce rápido mas apodrece depressa.
Há, para todas as coisas da fome, um tempo imanente
Toda a fome tem o seu tempo permanente, e há sempre tempo para isso. Há tempo para nascer, crescer, viver e morrer à fome. Nunca há tempo para arrancar o que a fome plantou. Nunca há tempo para curar e derribar a fome. O tempo sobra para edificá-la. Tempo de chorar e tempo de não rir, nunca faltam. Não há forças para prantear nem para se soltar. Tempo para abraçar e comer pedradas. Não há nada para guardar, logo, não há nada para deitar fora. Tempo para ficar calado a observar a fome. Falar já não adianta. Tempo para amar a fome, nossa fiel companheira. Não havendo trabalho para ninguém, e quando aparece, não há vantagem nenhuma em trabalhar, porque nunca nos pagam. Tenho visto o trabalho que não nos dão, e isso aflige-nos. Prometeram-nos que seria tudo formoso. Mas como não tem coração, deram-nos um deserto de promessas.
Eles alegram-se fazendo-nos tristes. E que só eles comam e bebam, e gozem o que nos pertence. Eu sei que tudo que eles fazem é para a sua eternidade, e nada se lhes pode tirar. Guardamos temor diante deles. Tudo já foi e continuará a ser deles. Mesmo assim ainda nos pedem contas. A justiça é para eles a injustiça é para nós. Eu disse no meu coração maldoso: julgarei os pobres e famintos em todo o tempo das suas vidas. O justo será perseguido dia e noite. Disse eu na minha maldade: é por causa dos filhos dos esfomeados que se portam como animais, que não existe tranquilidade nas ruas. Porque o que sucede aos filhos da fome, também sucede aos filhos dos animais. Como morre um assim morre o outro, e a vantagem sobre os animais não é nenhuma. Também isto é de grande utilidade. Todos ficam no mesmo lugar à espera da comida. A apanhar pó. De tanto esperar, cansar, comem a poeira das agora desordenadas construções dos espoliados casebres. Ficam sem fôlego. Nem para baixo nem para cima. E os maldosos ficam muito alegres com as suas obras. Depois dividem entre si as comissões.
Os males e as tribulações da fome
Depois voltei-me e vi as opressões que fiz. Vi as lágrimas dos oprimidos pela fome e ninguém que os escutasse. Vi os opressores consolados, e os esperados, desesperados pela fome sem nenhuma consolação. Pelo que, louvei aqueles que contribuíram para o aumento do exército dos esfomeados. Que ninguém se atreva a pedir-nos contas pelas más obras que fizemos. E que alguém pretenda igualar-nos, não passa de um reles invejoso. Os esfomeados não passam de tolos. Porque não se alimentam do que resta da sua carne? Andam sempre de mãos vazias, cheias de aflições. Outra vez me voltei, e vi a irmandade da fome. Não roubam sós, roubam em equipa. Não se fartam de riquezas. Quanto mais tem, mais querem. De modo que não sobra nada para ninguém.
Melhor é um que dois a roubarem. Um fica com tudo, mas o outro apanha uma gasosa. Se um cair o outro fica contente, porque aumentará a sua renda. Se dormirem juntos, desconfiam-se. Porque tentarão ludibriar-se e por isso não conseguem dormir. Se alguém tentar prevalecer contra eles, os seguranças estão atentos. O rei velho e no poder insensato nunca dará poder a nenhum mancebo. Porque um sai do cárcere, diz qualquer coisa contra, e volta outra vez para onde saiu. Nunca nenhum mancebo ocupará antes da morte o trono do rei insensato. O seu povo está moribundo. Não haverá descendência.
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