quarta-feira, 4 de maio de 2011

Governo luso assume responsabilidade. Portugal vai pagar fatura até 2020 aos ex-militares da guerra colonial




Portugal vai pagar os custos da guerra colonial até 2020, segundo um estudo que analisou a estrutura médica, jurídica e administrativa, a assistência médica e sanitária, bem como as pensões e isenções fiscais dos ex-militares com mazelas atribuídas ao conflito. Será que algum dia estes governantes terão o bom senso de fazer o mesmo para se evitar que um dia estes militares que andaram a combater Angola adentro, não tenham a motivação de regressar a guerra.

“Feridas de Guerra: (In) Justiça Silenciada” é o nome de uma investigação inédita realizada por uma equipa multidisciplinar do Ministério da Defesa e do Instituto Superior de Tecnologias Avançadas de Portugal sobre a deficiência de guerra no Exército.
O estudo baseou-se em 3.020 queixas de ex-militares da guerra colonial, apresentadas entre 1997 e 2006, com vista à obtenção do estatuto de deficiente das forças armadas, todas elas despachadas pelo Ministério da Defesa.
Estes 3.020 militares prestaram serviço em Angola, Moçambique e Guiné, entre 1960 e 1974, no âmbito de uma guerra que envolveu um milhão de homens e resultou em 10 mil mortos e 30 mil feridos.
Tendo por base a idade dos autores das queixas - entre 50 e 55 anos – os investigadores concluíram que o ciclo das queixas decorrentes das guerras coloniais terminou em 2010, pelo que o estudo prevê um adicional de 1.800 queixas.
Destes 1.800 casos, 10% deverão ser classificados como não deficientes das forças armadas, 25% deverão ter acesso ao Estatuto de Deficientes das Forças Armadas e 65% deverão ter uma “desvalorização ligeira, moderada ou grave” (neste último caso, não reunindo as condições para acesso ao estatuto, apesar de apresentarem uma desvalorização igual ou superior a 30%).
Os custos referentes à guerra colonial – que englobam a estrutura médica, jurídica e administrativa associada, a assistência médica e sanitária decorrente da sua classificação enquanto doença profissional, bem como as pensões e isenções fiscais – deverão cessar em 2020, de acordo com o estudo.
Os investigadores analisaram ainda as novas missões em que as Forças Armadas Portuguesas (FAP) se encontram envolvidas, iniciadas pelas Forças Nacionais Destacadas (FND) em 1997, e as missões de observação da ONU/UE, que têm “um carácter distinto da guerra de África”.
As FND são “operações de baixo risco físico e médico-sanitário, de curta duração (seis meses com possibilidade de repetição voluntária), e com elevado desgaste psicológico, considerando as primeiras missões na Bósnia, Kosovo, Timor e Afeganistão”.
O risco das doenças emocionais nos Teatros Operacionais (TO) onde se integram as FND terá, sobretudo, “a ver com as queixas dos acontecimentos de vida relativos aos familiares dos militares, com a rotina, as diferenças culturais e o contacto inicial com níveis de destruição massivos provocados pelas várias guerras civis, provocadoras de estados de miséria infra-humanos em elevada escala”.
Os autores admitem nestes casos “um maior peso em queixas retardadas, no domínio das doenças emocionais, com um número muito reduzido de casos de stress pós-traumático”.
“Se nada de diferente for feito, e se a média de idades das queixas se mantiver por volta dos 50 anos de idade, é de prever que a partir de 2027 se inicie o ciclo de queixas de militares das FND”.
“Com o atual sistema de queixas, de avaliação, de tramitação processual e de despacho final, e mantendo-se a idade média de apresentação da queixa, haverá encargos (médico-sanitários administrativos e de pensões) num período da ordem dos 30 anos, correspondente ao tempo entre a idade de apresentação da queixa e a esperança média de vida, 80 anos de idade”.

Ainda há metal de balas e ferimentos no corpo dos militares, mais do que mazelas da alma

A guerra colonial começou há 50 anos, mas muitos ex-militares ainda trazem no corpo metal de balas e ferimentos de granada. É destas feridas que ainda hoje se queixam, bem mais do que das dores da alma, o que surpreendeu investigadores.
Do universo global de 3.020 pessoas, foi construída uma amostra aleatória de 575: 385 (66%) praças, 86 (15%) furriéis, 36 (6%) sargentos, 45 (8%) oficiais subalternos e capitães e oito oficiais superiores, sendo que a maioria dos ex-militares cumpria o Serviço Militar Obrigatório (SMO).
Inédita, a investigação incidiu sobre acidentes, traumas e doenças adquiridas na guerra colonial – onde terão morrido 10 mil militares e sido feridos 30 mil, do milhão de envolvidos – e foi elaborada por uma equipa multidisciplinar do Ministério da Defesa e do Instituto Superior de Tecnologias Avançadas.
O seu coordenador, o coronel de Artilharia na reserva João Andrade da Silva, não esconde a surpresa com os resultados. “Tendo em conta que se estimava a existência de 30 mil ex-militares com stress pós traumático, surpreendeu-nos que a maioria da amostra (52 por cento) se queixasse de ferimentos simples: não tratados e múltiplos”.
As queixas repartiram-se pelos acidentados simples (210 – 36%), politraumatizados (91 – 16%), stress pós traumático e doenças emocionais (143 – 25%), trauma ou doença secundária (60 – 10%), doenças primárias (896 – 17%) e indefinidos (46 – 8%).
As conclusões obrigam a "uma profunda revisão das metodologias de diagnóstico aquando das ocorrências, no fim da vida militar e no seguimento médico após a vida militar”, defendem os investigadores.
De acordo com o estudo, os combatentes mais afetados foram os militares de infantaria, (250 – 43 por cento da amostra), seguidos dos transportes (53), atiradores de artilharia (30) e transmissões e reabastecimentos.
Estes ex-combatentes manifestaram as suas queixas 30 anos depois das ocorrências e quando já estavam com uma média de idade de 50 anos, o que o coordenador atribui, entre outras razões, à aproximação da idade da reforma.
Perante os dados, os investigadores concluíram que “os sistemas de seleção militar em tempo de guerra ou de crise de efetivos, de diagnóstico em tempo de guerra e do acompanhamento dos cidadãos, depois de passarem à disponibilidade, funcionaram com um grau de ineficácia de 20 a 40 por cento”.
Muitos militares "ou não foram diagnosticados, ou foram objeto de diagnósticos otimistas, o que teve efeitos dramáticos para eles e as suas famílias ao longo de décadas”, lê-se no documento, a que a Lusa teve acesso.
Também não tem sido célere o processo de diagnóstico e deferimento de queixas, que demora cinco anos em média, “independentemente da gravidade das lesões”.
Apesar das queixas tardias, tem sido reconhecido a 90 por cento dos militares um grau de incapacidade que varia entre um e 100 por cento, sendo que a 25 por cento foi reconhecido o estatuto de DFA - militares com mais de 30 por cento de incapacidade, adquirida em ações diretas de combate.
Os ex-militares DFA têm isenções fiscais e pensões médias de mil euros por mês, além de apoio médico.

É preciso falar da guerra, chorar os mortos e celebrar os que estão vivos

Os ex-combatentes nas antigas colónias precisam de falar da guerra e fazem-no entre conversas sobre política e futebol, intervaladas com abraços e lágrimas pelos que morreram, mas também de alegria por terem sobrevivido, ainda que alguns amputados, cegos ou traumatizados.
“Precisamos de falar da guerra”, disse o presidente da Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA), José Arruda.
Meio século após o início da guerra colonial, são “cada vez mais” os que se reencontram em almoços de ex-combatentes. Alguns vêm com os netos, depois de uma vida em que a família, o emprego e as obrigações sociais adiaram um abraço.
“Falamos das cartas que escrevíamos às namoradas, das fotografias da família por quem ansiávamos, da marca – os filhos – que tínhamos deixado aqui antes de embarcar para uma guerra para onde fomos matar para não morrer”, afirma José Arruda.
Nesses encontros de ex-combatentes, as conversas não são só sobre a guerra, mas vão sempre dar a este tema. Os ex-combatentes “estão mais velhos, mas ainda não deixaram de precisar de chorar pelos amigos que perderam na guerra, nem de alegria por estarem vivos”, continua.
José Arruda lembra – como acredita que recordam os ex-combatentes nas guerras coloniais – aquele embarque a caminho de África, com os lenços brancos e o toque do hino nacional a tentarem dar ânimo, numa missão quase impossível.
“As coisas foram muito difíceis. Somos um povo de poetas que também choram e não são, por isso, nem mais nem menos fortes, mas que trouxeram marcas. Muitos deles nunca mais largaram os comprimidos”, afirma.
José Arruda acredita que estes momentos de convívio são a catarse tantas vezes adiada pela necessidade de, após o regresso, reconstruir a vida: tratar da família, arranjar emprego.
Confraternização que é igualmente de júbilo por estes homens terem regressado vivos: “Quando viemos, estávamos mais morenos, marcados seguramente, mas felizes por pisarmos o chão vivos, ainda que sabendo que o barco que nos trazia também transportava caixões com camaradas mortos e alguns feridos”.
O 25 de abril nunca é, por isso, ignorado pela ADFA.
Em 1974, muitos militares como José Arruda estavam em hospitais militares e, na altura, gritaram “nomes muito feios ao regime” que a revolução depôs.
“Vivemos [o 25 de abril] com emoção, mas também com raiva: porque é que não chegou mais cedo, antes desta guerra injusta e evitável?”, questiona José Arruda.
As baixas continuam, agora por causa do álcool consumido para esquecer. Todos os dias há ex-combatentes da guerra colonial que morrem com doenças herdadas do tempo em que bebiam álcool para esquecer os combates, revelou o presidente da Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA).
“Quando vínhamos do combate tinha de haver álcool. Naquela altura não havia telemóvel nem televisão, então bebíamos. E bebíamos ainda mais se algum dos nossos morria”, contou Arruda.
Num discurso emocionado a propósito dos 50 anos do início da guerra colonial, e nas vésperas das comemorações do 25 de abril, o presidente da ADFA questionou: “Como é que se mantinha uma juventude isolada e a ver gente a morrer?”.
Os efeitos deste consumo ainda hoje se fazem sentir e refletem-se na saúde dos ex-militares, com doenças do fígado e do pâncreas. “Todos os dias cai gente com estas mazelas, apesar de assegurarmos assistência médica”, adiantou.
Gente que se reúne na sede da ADFA, em Lisboa, e nas suas 12 delegações regionais, onde as memórias são terapêuticas e repartidas pelos 13 mil associados.
Destes, cerca de 3.000 são grandes deficientes, ex-militares que entre 1960 e 1974 perderam pernas, braços ou olhos e ganharam stress pós traumático, com que ainda hoje vivem. “Foi um momento errado de um Portugal que estava escondido atrás do sol e obrigou a juventude portuguesa a partir para uma guerra evitável, injusta, que estava fora de tempo”, disse.
O resultado deste combate, que mobilizou um milhão de portugueses, foram “10 mil mortos e milhares de estropiados”, recorda José Arruda, para quem esta foi a fatura do “erro de um país que não estava a olhar para as mudanças que estavam a acontecer”. “Sacrificou-se uma juventude e alguns continuam a carregar o fardo” dessa ordem de Salazar: “Para Angola e em força”.
Passados 50 anos, José Arruda considera que “ainda existem problemas concretos por resolver em relação aos direitos dos deficientes das forças armadas”. “Ainda há injustiças”, denunciou, lembrando a recente luta para evitar que fosse concretizado um ofício da Caixa Geral de Aposentações (CGA) que dava aos deficientes militares um prazo de dez dias para optarem entre a pensão indemnizatória ou a remuneração que recebem pelo exercício de funções públicas.
“A nossa pensão tem carácter indemnizatório. Nós não somos aposentados da Função Pública”, sublinhou José Arruda. “O que nós descontámos para receber esta reforma foram olhos, foram pernas, foi o sofrimento com o stress. Foi esse o nosso desconto e isso não se paga”, adiantou. Felizmente, disse José Arruda, “o Governo e o Ministério da Defesa foram firmes e mantiveram a posição de que as pensões dos deficientes das forças armadas têm caráter indemnizatório”, numa referência a uma clarificação do Conselho de Ministros de 31 de março.
A situação foi interpretada como “um aviso”: “Não podemos ter memória curta. Apesar de estarmos em liberdade, precisamos de estar determinados, unidos e coesos”.
“Servimos Portugal em situação de perigo ou perigosidade e hoje exigimos essa reparação moral e material e que nunca pode ser intermitente. Haja por nós respeito. Lutaremos sempre e nunca nos calaremos nos nossos direitos”, prometeu José Arruda.

2 comentários:

  1. Calcinhas de Luanda10 de maio de 2011 às 02:59

    O Governo Angolano também é solidário com os que lutaram pelo lado de Angola na Guerra Colonial. O Governo Angolano acabou de mandar o Zedu ao médico em Barcelona.
    Tá certo!

    ResponderExcluir