Cavaco saúda Santos, pelo dinheiro que recebe em Portugal e tanta falta faz aos autóctones de cá.
Antes de abordar o tema central deste artigo convém recordar que a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) foi criada em 17 de Julho de 1996 por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné – Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe.
No ano de 2002, após conquistar a independência, Timor - Leste foi acolhido como país integrante. Na actualidade, são oito os países integrantes da CPLP. Objectivo: criar uma empatia criativa e de aglutinação entre os povos de expressão lusófona.
Referimo-nos à CPLP por ela estar no centro das motivações aparentes da recente visita feita ao nosso país pelo presidente da República de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, e, além disso, pela cimeira dessa organização – Conselho de Ministros dos países membros -, no decorrer da qual deviam ser abordadas e equacionadas e se possível resolvidas algumas questões pendentes. Por outro lado, como se apresentava a ocasião de passar o testemunho da liderança da Comunidade, de Portugal para Angola, a ocasião era óptima para ir até Luanda com uma centena de empresários na esteira.
Foi exactamente o que pensou a justo título o governo português, por uma vez num alarde de harmoniosa conivência entre Cavaco Silva, presidente eleito, mas claramente situado na oposição política portuguesa, e o actual governo, liderado por António Sócrates, do Partido Socialista, por ter sido este último o vencedor das eleições legislativas desse país realizadas recentemente.
Como que cereja em cima dum bolo, também por essa ocasião decorria em Luanda uma grande Feira Internacional (FILDA), que serviu igualmente de pretexto à presença da opulenta delegação empresarial portuguesa.
Até este ponto da história, tudo bem. Tanto mais que as intenções anunciadas pelo presidente português se apresentavam sob profusão de risonhos augúrios, pois vinha acompanhado da sua esposa, na sua plena qualidade de Primeira Dama, activa, e não simples presença, com a intenção de ficar em Angola durante quase uma semana e aproveitar a estadia para ir ao Lubango e a Benguela, a fim de ver in loco o estado de coisas e sentir a pulsação das gentes de lá.
Enfim, se dependesse dele a união de interesses seria profundíssima e a amizade eterna.
Gostamos de ouvir os seus discursos. Sobretudo os primeiros, a anunciar o seu estado de espírito entusiasta perante a oportunidade que lhe fora dada de relançar depressa e em força não as ralações da amizade, mas sim as relações e a cooperação entre os dois países irmãos e, evidentemente, aproveitar os tapetes vermelhos mandados lançar a seus pés e aos da sua comitiva pelo Executivo angolano, com o evidente intuito de abrir alas a um producente diálogo gerador de vantajosos negócios para as duas partes.
Gostar, gostámos, mas veio-nos à mente um certo número de anormalidades que teimavam em se fazer ver e sentir neste cenário ideal, a estragar o estrugido, passe a expressão, exageros notáveis, tanto de um lado como do outro.
Pelo lado Português, sobressaiu a afectação dada às manifestações e pronunciamentos de amizade, denunciando uma tremenda ansiedade mal camuflada, talvez decorrente da situação catastrófica em que se encontra a economia portuguesa. A cena a que assistimos parecia-se com a de dois namorados que, depois de terem falhado tudo o que havia para falhar, prometem um ao outro mundos e fundos e outras coisas maravilhosas escritas em um céu azul.
É que falhanços entre Portugal e Angola, não é o que está a faltar. Falhou a colonização, depois falhou a descolonização, falhou a entrega do poder político, falhou a colaboração na conquista da paz, falhou a abertura de fronteiras, os vistos e outras coisas assim.
Foi e é muito falhanço junto.
Com a fundação da CPLP, juntaram-se outros engodos aos falhanços do passado: criação de uma comunidade coesa de 250 milhões de lusófonos, com a sempiternamente augurada abertura de fronteiras, quiçá a instauração de uma união económica entre os seus membros e um promissor projecto de unificação da língua portuguesa.
Na sessão solene do Conselho de ministros agora realizado em Luanda, todos esses assuntos foram abordados, juntamente com um pedido da Guiné Equatorial para integrar de pleno direito a Comunidade.
Procedeu-se, também solenemente, à transferência da liderança de Portugal para Angola, vimos JES aproveitar a deixa para juntar à sua colecção de poderes mais este, e houve mesmo um comunicado final, que devendo ser um acordo acabou por se apresentar como um portentoso manifesto de impotência para ultrapassar as dificuldades que se apresentam ao tão desejado consenso entre as partes.
Falharam portanto, praticamente todas as tentativas, não se abriram fronteiras nenhumas, não foi aceite a Guiné, não foi assinado o acordo Ortográfico.
A única coisa que desejamos é que tal impedimento não dilua as esperanças de alcançar um acordo futuro e levar avante este formidável projecto.
Entretanto, Cavaco Silva, de tanto ter falado em amizade e cooperação entre “irmãos”, esqueceu-se de falar em direitos humanos, muito menos solenemente mas francamente espezinhados em Angola; nisto, passou por cima dos conferencistas, políticos e empresários, um anjo cego, surdo e mudo com o dossiê das dívidas de Angola para com as empresas portuguesas; a extensão do sinal da Rádio Ecclesia ficou para mais tarde; e quanto à pobreza em Angola, nem por sombras vê-la, havia tanto jipe e Rav’s 4 nas esburacadas ruas de Luanda que não dava para ver…
Estes foram os “senãos” do lado lusitano. Por seu lado, os angolanos não deixaram os seus créditos por mãos alheias e reservaram a todos os componentes da comitiva portuguesa uma recepção cinco estrelas, ou mesmo mais, como na Huíla, onde o governador Isaac dos Anjos, depois de ter feito o serviço de iniciar a reclassificação do casco urbano, com a transferência dos moradores das cercanias da linha de caminho-de-ferro, para outras zonas, pese muitas críticas, inclusive dos seus pares do MPLA, atravessou o seu “deserto”, pequenino, já está desculpado, e apareceu agora em grande a dar um ar da sua graça numa manifestação profundamente inoportuna, ao acordar tolerância de ponto e dia de folga nas escolas para permitir que a criançada fosse mobilizada para ser colocada, de preferência a bem, nas bermas das vias por onde passou o presidente português.
Para saudá-lo numa manifestação de alegria encomendada. Simplesmente ridículo. Contraproducente. Uma manifestação subalterna num “salamaleque” malparido, em que só se viam criancinhas pobres da maioria indígena a fazer gestos com a mão e a gritar “vivas”, com risos forçados e fome à mistura enquanto as outras, das classes alta e média, ficaram em casa ao abrigo do ar condicionado, pão com queijo e fiambre e leite achocolatado a gozar com o ridículo dos demais.
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