domingo, 11 de setembro de 2011

Quem são os verdadeiros assassinos da deputada e oficial do interior


Numa nova peça de teatro escrita por um desconhecido dramaturgo da Polícia Nacional de Angola (PNA) e posta em cena por um juiz de mãos presas, uma, ao poder Executivo, a outra, ao Executivo do poder, foi apresentada a público o julgamento dos alegados assassinos da malograda deputada Beatriz Aurora Salokombo e seu irmão, António das Neves, oficial superior dos Serviços de Migração e Estrangeiros (SME).
Quanto ao enredo deste drama, o que nos serve de base para descrevê-lo são as declarações de uma irmã da vítima, Cândida Sónia Neves Ferreira, e da sua filha, Wesa Sakolombo.
Tudo aconteceu em frente à porta da residência de Cândida Ferreira, no dia 29 de Julho de 2009, por volta das 19 horas, quando a sua sobrinha, Weza Salokombo, filha da malograda deputada, entrou em sua casa acompanhada pelo tio, António das Neves. Tinham vindo de carro, uma carrinha modelo L200, de cor branca e marca Mitsubishi e nela tinham deixado à espera a deputada Beatriz Salokombo.
Poucos minutos depois de terem entrado ouviram-se tiros, de imediato correram para a rua e depararam-se com quatro ou cinco indivíduos fortemente armados com armas semelhantes às que a polícia usa, provavelmente do tipo Macarov.
O António das Neves avançou e ainda chegou a dizer, «Eh, mas o que é que se passa? Vamos conversar, tenham calma”, mas mal acabou de falar foi atingido por um disparo à queima-roupa, no peito. A Cândida Ferreira pôs-se a correr para dentro de casa e puxou consigo a sua filha e também a sobrinha, Weza Salokombo. Seguiram-se numerosos disparos e depois de estes cessarem as três sobreviventes regressaram à rua e encontram a deputada do MPLA ferida, mas de pé, e seu irmão estendido no chão com a barriga para baixo. Rapidamente levaram este último para o carro a fim de o transportar até ao hospital “e Beatriz Salokombo, ao subir para a viatura notou e comentou que também havia sido alvejada. Mas consegui subir para o carro”.
Quando chegaram ao hospital Multiperfil já o oficial superior do SME havia morrido pelo caminho e a sua irmã Beatriz Salokombo saiu do carro de seus próprios pés e dirigiu-se aos serviços médicos. Foi socorrida, não tendo sido esclarecido se rápida ou vagarosamente, o que é certo é que, por volta da uma hora da manhã ela perdeu a vida no bloco operatório daquela clínica. E de acordo a sua irmã em tribunal, os médicos alegaram que a bala era incendiária e esta terá sido causa principal do seu falecimento.

Pormenores reveladores
É esta a versão dos acontecimentos dada pela irmã de Beatriz Salokombo em tribunal, à qual ela junta alguns pormenores interessantes, tais como dizer que não reconheceria os assaltantes porque estava muito escuro e porque o susto causado pelos tiros levaram-na a perder a concentração; não confirmou terem sido duas viaturas como rezam os autos, mas uma viatura de marca RAV 4, que estava com as quatro portas abertas à frente da carrinha L200 das vítimas; certificou que a carrinha não tinha sido alvejada, o que leva a inferir que a irmã não terá sido atingida dentro do carro; enfim, quando Wesa Salokombo, diante das armas, ofereceu a chave para se levar a carrinha, os bandidos só lhe receberam o telemóvel e não quiseram saber da chave do carro, o que indica que o móbil do crime não era o roubo de viaturas.
De notar ainda que, segundo o que consta no depoimento de Cândida Ferreira, os bandidos calaram a boca à filha da deputada do MPLA e de roubo só se tem a aferir que foram levadas duas pastas de couro de cor preta e numa delas havia documentos de trabalho.
A declarante Benilda Manuela Ferraz, filha de Cândida Ferreira, também foi chamada a depor e confirmou o que a sua mãe havia contado; não identificou os réus, pelas mesmas razões que a sua progenitora apresentou. Quanto ao outro declarante, João Carlos Ferreira, irmão das vítimas, foi chamado como declarante, mas logo dispensado, porque o seu depoimento não tinha valia, já que não esteve presente no local do crime.

Nova sessão “escaldante” em perspectiva
A próxima sessão do julgamento terá lugar do próximo dia 23 de Agosto e será ouvida a filha da malograda deputada, Weza Salokombo - deveria ter estado na primeira audiência e só não se fez presente porque até à data continua com sequelas do que aconteceu no fatídico dia em que mataram a sua mãe e o seu tio, estando por ora a ser acompanhada por um especialista brasileiro - assim como o instrutor processual da DPIC, Sousa Nunes e, quiçá, o alegado policia MAU-MAU, inspector Adelino Agostinho Caxito de 43 anos de idade acusado pelos réus de os ter torturado ao longo da instrução processual, apesar de já se ter pronunciado ao longo desta primeira sessão, negando, evidentemente, tudo, com a serenidade do polícia sénior, com 25 anos como agente da corporação e 21 em funções na investigação criminal.
Ora “o tudo” é extremamente apimentado se forem levados em consideração os dizeres do réu António Samuel Serrote, de 33 anos, que relembrou ao juiz ter sido ouvido cerca de seis vezes e em todas ela pelo instrutor Agostinho Caxito, que o teria algemado e torturado. Disse ainda que lhe entregaram um manuscrito feito na “cozinha” da polícia, para, obrigatoriamente, ter que ser assinado, o que contrata com o procedimento do Ministério Público que não o molestou de modo algum.
Um dos aspectos curiosos desta “peça” é o facto de o crime ter sido praticado na Samba e notificado naquele município e o processo instruído no Cazenga. O advogado de defesa levantou essa questão, à qual o instrutor processual, Sousa Nunes, “meio engasgado”, respondeu: “Não cabe a mim explicar”. Ponto final, parágrafo.
A defesa quis ainda saber o porquê de nos autos do aludido interrogatório feito pelo ministério Público, constarem também folhas com timbre do Ministério do Interior, mas o instrutor não se dispôs a responder e o juiz também se indispôs com o advogado, teve de o advertir de tanta insistência, dizendo-lhe que o podia pôr fora da sala e indicar um defensor oficioso. O advogado teve de se conter e esperar por outros meios para expressar os seus alegados argumentos de razão.

Eis em que águas turvas pára esta “encenação, situação agravada pelo facto de os familiares das vítimas deste crime cometido no município da Samba, segundo o que foi expresso por um deles, não acreditarem que os réus presentes em tribunal sejam os verdadeiros assassinos. O que lhes parece é que a polícia terá fabricado bodes expiatórios à sua medida para assim encontrar uma solução do caso aos olhos da sociedade e da opinião pública nacional e internacional.
Em favor desta maneira de ver o caso, corrobora o facto de o carro ter sido apresentado pela polícia como sendo um RAV4 verde, de três portas. Ora o carro dos crimes foi um RAV4 de cinco portas de cor azul ou preto.


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