domingo, 11 de setembro de 2011

Os roubos em série no BNA. Inversão da visão de um crime que iliba a responsabilidade dos chefes


No dia 28 de Julho foi dado início no Tribunal Provincial de Luanda a um julgamento a que se deu o nome de “Caso BNA”(!), como se só houvesse um caso. São tantos os casos - e só neste são três -, que mais valia apelidar este julgamento, por exemplo, “Julgamento da série BNA”, o que tacitamente o englobaria no seio de todos os “casos” que a essa instituição se referem.

Lucas Formoso & Arlindo Santana

O que chegou ao nosso conhecimento dá conta de «um roubo de 1 milhão e meio de dólares e de 230 mil euros dos Cofres do Banco Nacional de Angola», ou seja, dos cofres do Estado. Na audiência inicial, para além de contar com a presença dos oito réus acusados do Crime de Furto Doméstico, estiveram igualmente presentes os antigos Governadores do BNA: Amadeu Maurício e Abraão Gourgel, que curiosamente surgiram como declarantes, quando o mais correcto era o de virem aos autos, como arguidos, ainda que soltos, porquanto foi através dos seus actos de autenticarem as ordens de transferência, que permitiram legitimar a falsidade preparatória dos actos considerados ilícitos.
Assim teremos a raia miúda, no banco dos réus, com a ausência dos graúdos que tinham, legalmente, o dever de fiscalizar todos os actos de gestão, principalmente aqueles que engajam a instituição bancária.
Os réus em julgado são oito: Nelson Manuel Adão (conhecido por Real) técnico de cofres e serralheiro do BNA; Domingos António Pedro (conhecido por bombista) chefe de uma secção da Divisão de segurança do BNA; Lourenço Simão (conhecido por Langa) motorista do BNA; Bernardo Girão (conhecido por Girão) agente da Divisão de segurança do BNA; Domingos Faustino (conhecido por Mingo Jacó) agente da Divisão de segurança do BNA; Manuel Loupo Cauacaca Camolo (conhecido por Camolo) segurança do BNA; Augusto Bernardo Gonçalves Kerlan (conhecido por Gu) operador do circuito fechado de televisão do BNA; António Henrique Trindade (conhecido por Trindade) motorista.
Ora se este leque de homens conseguiu fazer isso, então temos a confirmação que os nossos gestores, terão métodos mais apurados de surripiar dinheiro públiclo, porque não se acredita, a não ser que se reconheça, ser Angola uma república das bananas.
O assunto em litígio diz respeito à violação dum cofre-forte, que, segundo o que consta na Acusação, promovida pelo Ministério Público e na Pronúncia do juiz, que havia sido restaurado depois de ter sido durante muito tempo abandonado algures no pátio da sede do BNA, restauração essa executada por ordem da directora da área denominada, DGR, que teria contrariado uma orientação superior de Abraão Gourgel, o qual havia dito que era preciso comprar um cofre novo, em vez de mandar reparar um já fora de serviço e por demais corroído. Se assim foi qual a medida tomada pelo governador no sentido da correcção? Nenhuma.

História-fotocópia de tantas outras no género
A história deste lance é semelhante a muitas outras no género. Um serralheiro (do BNA), Nelson Manuel Adão (conhecido por Real) provoca intencionalmente uma avaria na patilha de introdução do código de acesso ao cofre de modo a ser solicitado uma segunda vez e assim poder entrar em contacto directo com o tesoureiro (do BNA), Santiago Lopes Carneiro, na hora da colocação do código de segurança. Momento grandioso em que os homens sempre se podem entender.
A ideia pelos vistos funcionou, Real foi posto ao corrente do enunciado da senha, voluntária ou involuntariamente, como serralheiro tinha uma chave e abrir o cofre passou a ser uma brincadeira para ele. Porém, agir sozinho seria uma loucura. Precisava de apoios, a começar pelos seguranças, passando pelos técnicos, os motoristas…
Isto, segundo uma das versões dos factos ocorridos, havendo uma outra que se lhe opõe e é a do próprio Real, como veremos mais adiante.
Esse funcionário quase exemplar assumiu a sua participação no roubo, mas disse em tribunal que foi involuntária. Sustenta que foi pressionado e perseguido pelo colega, António Pedro (conhecido por Bombista) chefe de uma secção da Divisão de Segurança do BNA, que chegou a ameaçar as suas filhas.
Terá resistido até ao último momento, mas diz ter-lhe sido feita, depois uma cilada no seguimento da qual ele se viu diante do BNA sem recursos para retirada.
Disse ainda que tinha entregado à Procuradoria da República todo o valor recebido resultante do roubo. Mas insiste que não está de acordo com as quantias que se diz terem sido roubadas e constam dos autos. Segundo ele seriam quando muito entre 650 a 750 mil dólares, ao invés de um milhão e meio de dólares e duzentos e trinta mil euros.
A verdade é que diante de tanta desorganização do BNA, não podem os governadores serem isentos de responsabilidade, salvo se a pretensão final for, como já se viu que será, premiar os infractores de colarinho branco.
De qualquer modo, aludiu o réu, em sua defesa, para registo nos autos, ele só soube da senha porque foi solicitado a intervir em ajuda ao tesoureiro que não conseguia introduzi-la. Porém, opinou que também não é normal uma só pessoa ter a senha e a chave do cofre. E o tesoureiro, Santiago Lopes Carneiro, tinha tanto a chave como a senha.
Sigam o meu olhar, não sou eu, é o meu irmão… Real negou com firmeza ser ele o mentor da engenharia do roubo.

O peso do contraditório
Esta versão, como escrito supra, é contrariada por uma outra da autoria do Domingos António Pedro (conhecido por Bombista) chefe de uma secção da Divisão de Segurança do BNA, considerado um dos mentores deste Crime de Furto Doméstico em detrimento dos do BNA (quer dizer, de todos os angolanos), não teve pejo em afirmar que tinha sido contactado pelo serralheiro Real no último domingo do ano de 2009, numa altura em que este se fazia acompanhar pelo motorista Lourenço Simão (Langa). Nesse encontro, o Real ter-lhe-ia revelado que já havia feito a sua parte, quer dizer, já tinha reparado o cofre, tinha visto qual era a senha e estava em posse da chave.
Reunidas assim as condições de base para fazer o golpe, faltava assegurar a impunidade do acto e para satisfazer tal requisito, foi mobilizado Augusto Bernardo Gonçalves Kerlan (conhecido por Gu) operador do circuito fechado de televisão do BNA e Bernardo Girão (conhecido por Girão) agente da Divisão de segurança do BNA; este por sua vez também convidou para entrar na baila Domingos Faustino (conhecido por Mingo Jacó) agente da Divisão de segurança do BNA.
Com tudo planeado deste modo, no dia 31 de Dezembro de 2009 o Real abriu o cofre em poucos minutos. Foi fácil, pois ele tinha a chave e a senha do mesmo. Confirmou em tribunal só terem entrado para a sala em que estava o cofre, duas pessoas, ele e o Real, que terá entrado fardado e com uma toalha ao ombro para iludir como se estivesse a ir ao banho, a pedido de Kerlan, o qual, entretanto já tinha desligado as câmaras vídeo de segurança.
Esta versão viria a ser contrariada por uma outra que diz que o assalto foi consumado no dia três de Janeiro de 2010, tendo os réus se retirado de forma estratégica pela porta da Agência Central (junto ao Hotel Universo).
Em todo o caso…, o cofre estava cheio, mas eles só tiraram dinheiro da primeira prateleira, 1 milhão e duzentos mil dólares, para não dar nas vistas, quer dizer, para evitar que o roubo fosse rapidamente descoberto.
No que toca à divisão do tesouro arrecadado, toda essa malta foi até à Samba, a casa de um chamado Bernardo Girão (conhecido por Girão) agente da Divisão de segurança do BNA.
Mas seria inútil abordar esse assunto, pois a confusão é demais, o total anunciado pelos réus dá maior montante do que o que desaparecera do cofre e, no meio da confusão, os alegados mentores, Bombista e Real, limparam à socapa 25 mil dólares cada um, que meteram no bolso enquanto estavam na sala do cofre.
Passemos igualmente sobre as condições que presidiram aos interrogatórios musculados, com tortura à mistura, segundo os réus, e sobre as denegações do Bombista às acusações do Real, de que ele o teria ameaçado e coagido a entrar no golpe; calemos as gafes de advogados e os tiros cruzados de acusações de uns réus para os outros, nomeadamente contra Bernardo Girão (Girão) e Domingos Faustino (Jacó) agentes da Divisão de segurança do BNA, acusados por Bombista de serem os motores do roubo, pois se não tivessem participado ele não teria sido possível. Vejamos, sim, o essencial que há a retirar como lição deste processo criminal.

Arrependimentos e excessos
O tesoureiro deu dado conta do roubo dia cinco de Janeiro seguinte e do dinheiro roubado foram recuperados 565 mil dólares americanos, computadores, uma viatura de marca Toyota e de modelo Starlet e outra de marca Mitsubishi modelo carrinha L200, assim como duas casas no Zango, que foram seladas pelo tribunal.
Os réus reconheceram em tribunal ter participado neste roubo e defenderam-se como puderam, um deles chorou muito e foi mesmo aconselhado a não chorar tanto para não estragar o efeito almejado, quer dizer, comover um juiz soberano, mas, pelo essencial a defesa principal incidiu no pedido de anulação do processo, por alegada inconstitucionalidade ao se fazer diligências, buscas e detenção dos réus sem mandado e sem a presença dos respectivos advogados, como plasma a Constituição angolana.
No que toca a outras questões de direito, os mandatários dos réus pediram que o juiz use atenuação extraordinária ao avaliar a situação dos seus constituintes, pois os mesmos, na sua maior parte, já entregaram quase a totalidade dos valores e comprometem-se a restituir o que falta, tão logo seja viável. Enfim, tudo isto que aqui acima foi relatado é do foro da arraia-miúda, que se mistura para fruir vantagens e se mortifica e gladia para escapar à multa. Mete-se, a arraia-miúda em cavalarias altas e encontra-se sem meios para pagar os prejuízos que os seus actos dolosos causaram.
Os protagonistas destes assaltos organizados nas barbas dos responsáveis pelos fundos monetários do Estado, que são nossos, de todos os angolanos e alegadamente “guardados” no BNA, foram crescendo em número e se aglutinando em torno dos principais mentores. O problema é que os mentores sumiram, pois a partir do momento em que começou o processo nenhum dos réus admitiu ser ele o mentor.
Por outro lado, dizer que o dinheiro do cofre violado saiu no consulado de Amadeu Maurício, supostamente para comprar um imóvel e no entanto, regressou à procedência já com Abraão Gourgel à cabeça do BNA, indica de algum modo por que linhas tortas se tecem cambalachos na alta finança, estratosfera interdita a toda e qualquer arraia-miúda.
É que, se esse dinheiro saiu e depois entrou, seria bom que se soubesse a razão, mas, como de costume, não se apresentaram razões, o dinheiro está aí, de volta, não complique! O que apenas serve para exacerbar a proliferação de versões especulativas.

Assim sendo, à boca pequena fala-se num descaminho por consumar (mal sucedido) ensaiado por Amadeu Maurício, que deu por torto com o despoletar dos processos-crime BNA. Vendo-se em situação pouco cómoda, entendeu prudente mandar de volta aquela quantia milionária aos domínios do BNA.
Segundo fontes credíveis, nos meandros de altos funcionários do BNA comenta-se que aquele dinheiro deveria ter outra casa de repouso (como por exemplo a caixa-forte) e não o cofre do DGR. Acreditam tais especialistas que, não obstante, ter dado entrada protocolada, o dinheiro só lá foi parar porque um privilegiado mandatário do BNA preparava um fim a seu gosto e de legitimidade duvidosa...

Roubos em série no BNA
Este roubo no BNA foi descoberto em Novembro de 2010 graças a um alerta de um antigo ministro das Finanças. A Procuradoria-Geral da República (PGR) tomou conta do caso e verificou com o andar do tempo que não era um só caso, eram casos, o que fez com que o primeiro processo se desdobrasse na constituição de três processos-crime no âmbito dos quais foram feitas dezenas de detenções preventivas e se aventou a hipótese de que altas individualidades estivessem envolvidas no saque.
Os processos instruídos foram assim rotulados: crimes de transferências ilícitas de divisas ao exterior (com 25 presos); furto de moeda estrangeira na tesouraria do BNA (com 8 presos) e o da cremação de dinheiro (com 16 presos). Todos eles foram distribuídos para a oitava secção do Tribunal Provincial de Luanda e a um só juiz (José Pereira Lourenço). Um deles já em julgamento e os outros dois com os despachos de pronúncia prestes a sair (segundo nossa fonte, ainda este mês de Agosto) e desta feita serão marcadas as datas de início do julgamento dos dois processos restantes.
Fruto destas fraudes o Estado angolano foi saqueado em centenas de milhões de dólares, se contarmos os que foram fraudulentamente transferidos para o exterior do país entre 2007 e 209, mas recuperou parte do valor, que consideramos pouco importante, bem como confiscou bens e imóveis diversos adquiridos por alguns dos arguidos e ainda está no encalço de outras quantias, até mesmo no exterior do país.
“Como se pode calcular, muita tinta vai correr e muitas horas se vai passar em tribunal, a acompanhar os julgamentos, até pelo que se sabe os magistrados da oitava secção estão embrenhados numa imensidão de páginas que poderão atingir mais de dez mil, além do número de réus, que também, por si só acarreta trabalho de sobra...”
Entretanto, não façamos de conta que até nós não chegaram as vozes que se levantaram e se levantam contra a PGR por alegados procedimentos sem o devido respeito aos preceitos constitucionais, em que se estabelece que o detido deve ser interrogado, acompanhado de um defensor (advogado), nem que seja oficioso, e o mesmo plasma a Lei quando se trata de diligências, busca e captura. Continuamos francamente esperançados numa melhoria sensível desse estado de coisas.

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