sábado, 17 de setembro de 2011

FNLA, MAIS UM ACORDÃO POLÉMICO.

Tribunal Constitucional acusado de apoiar o jogo do MPLA de colocar um fantoche na liderança do partido

Bis repetitam. No sentido de esclarecer quem estivesse menos atento ao nosso artigo da semana passada sobre a cabala contra a FNLA, sentimo-nos na obrigação de relembrar em que pés tem dançado, um à esquerda, outro à direita, e brilhado pela negativa, o Tribunal Constitucional.

Arlindo Santana & Sílvio Van-Dúnem

Depois da tentativa de reconciliação das duas alas da FNLA em 2004, no Acordo da Pensão Invicta, tristemente falhado, resultaram dois congressos polémicos, um em 2006, organizado pela facção “Ngonda”, num “Ringue” emprestado pelo MPLA situado na zona do Futungo II, o outro em finais de 2007, sob a égide do sucessor, digamos, natural, Ngola Kabangu, depois do falecimento do líder histórico do partido, Holden Roberto.

Aconteceu então o inenarrável: o Tribunal Supremo invalidou o Congresso de 2006, validou o de 2007, e permitiu que Ngola Kabangu, à parte ter sido assim legitimado como presidente da FNLA, acedesse ao cargo de deputado da Nação. Este último foi entronizado na obediência de todos os requisitos legais, para, pouco tempo depois da sua consagração lhe ser notificado pelo então recém-criado Tribunal Constitucional a inacreditável sentença: afinal de contas o congresso de 2007 que o tinha elegido presidente da FNLA era nulo e não avindo e Lucas Ngonda, promovido a presidente interino do partido, seria encarregue de realizar um congresso extraordinário a fim de se realizar eleições de todos os corpos gerentes incluindo o de Presidente.

Esse congresso foi um verdadeiro desastre, a pontos de vir a ser mais ou menos anulado, é a expressão que melhor reflecte o que se passou, pois nada impediu o dito acórdão de continuar a vigorar, mas um pouco como se não vigorasse, pois nada se passou e Ngola Kabangu continuou a agir como se nada se tivesse passado. Depois, no meio de uma enorme confusão, no que toca ao cumprimento das decisões do Acórdão, os angolanos puderam ver um partido partido pois já não era partido, mas ala de partido… o que foi finalmente revelado aos mesmos embasbacados angolanos por um recente e inovador “abracadabra” sentenciado pelo Trinbunal Constitucional. Isto, sem que essa engraçada e mesmo assim nobre Instituição, que tanto gostaria de ser respeitada, tivesse dado a mais pequena explicação das razões que o levaram a considerar a acção da FNLA de Kabangu com se fosse a única versão válida da fantasmagórica FNLA, quando agora a condena sem que nada de novo se tivesse passado.

Resumindo, o Tribunal Constitucional vem tropeçando de tal forma nas suas decisões que começa a ser visto por largos sectores do espectro político nacional, como um apêndice importante do partido no poder e do Presidente da República. Ninguém no seu juízo perfeito pode entender que um Tribunal, primeiro proíba alguém de participar nas eleições, depois permita a outro, Ngola Kabangu, que vá a eleições em 2008 e consiga um score que lhe permita ter assento na Assembleia Nacional. Ao que se segue a caricata decisão desse mesmo Tribunal, que vem fazer o favor a um político da mesma FNLA, que havia mandado bugiar os acordos de reconciliação, que abandonou a direcção colegial e auto-elegeu-se presidente de uma ala, ao declará-lo solenemente como vice-presidente.

E quando o seu congresso é impugnado por irregularidades graves, o Tribunal Constitucional, agindo de forma a ser confundido como um CAP do MPLA, considerou ser legal, um facto que pouco tempo antes considerara ilegal. Estranho. Isto sem esquecer o cancelamento das contas bancárias da FNLA, partido histórico com assento parlamentar, o tudo perpetrado numa série de complicadas operações para o oferecer de mão beijada aos fantoches da sua conveniência.

Mas ainda: para mostrar coerência e compromisso com a academia e a Constituição, o juiz conselheiro, Agostinho dos Santos, distanciou-se da incoerência e disse no ponto 6 da sua Declaração de voto ao Acórdão nº140 /2011: «Consultados os factos arrolados no presente processo, principalmente nos pontos nº5 a 8 do Entendimento de Abril de 2004, chega-se à conclusão clara e inequívoca que o congresso de 2010 (convocado por Lucas Ngonda a fim de ser eleito presidente da FNLA, o que acabou por acontecer ao fórceps)) foi realizado em violação da letra e do espírito do referido acordo; do consequente Congresso de Reconciliação de 2004 e do Acórdão nº109/ 2009, pois propugnavam peremptoriamente o princípio da paridade e da equidade entre as partes. Atente-se especialmente ao ponto nº5 (As partes comprometem-se a levar 690 delegados cada, devidamente identificados e registados pela Subcomissão de Mandatos;)».

E mais adiante, no ponto 7.2, reforçou a sua convicção de que se estava a agir com dois pesos e duas medidas: «Ficou amplamente provado nos autos que os actos de preparação, convocação e realização do Congresso de 2010, foram praticados apenas pela parte afecta a Lucas Ngonda, sem a participação mínima da outra parte, violando deste modo o espírito e a letra do Acórdão nº109/2009 e, consequentemente, do Acórdão de Entendimento de que resultou o Congresso de reconciliação de 2004».

Na mesma senda andou o outro juiz conselheiro Onofre dos Santos. Esse magistrado, que no pedestal da sua autoridade apelou à contenção, não foi tido em conta, pelo que não lhe restava outra alternativa senão a de dizer o que ia na mente em defesa da sua oposição a tanta incoerência: «Como se sabe, Ngola Kabangu foi eleito Presidente pelos militantes da FNLA em Congresso realizado em 2007, sem respeito pelo referido princípio da paridade, na medida em que desse Congresso não tenha participado Lucas Ngonda, que por sua vez, já se tinha feito eleger em Congresso de 2006 e por essa via, pelo menos aparentemente, se auto-excluíra do partido (razão pela qual votei vencido (voto contra) no Acórdão que anulou aquele Congresso (o de 2007)».

Quer dizer, ao longo de toda esta luta pela presidência da FNLA, o mote não foi de como obedecer aos estatutos, mas o contrário, como atingir objectivos (os mesmos nas duas alas, ou seja, alcançar o poder) à margem da lei. Repetiram-se pois os atropelos a todas as normas, agravados em alguns casos por nítidas batotas arquitectadas nas barbas de todos os militantes da FNLA!

Portanto, obedecendo a uma lógica assente no «desiderato de preservação de unidade do Partido», Onofre dos Santos votou contra o Acórdão e, na sua declaração de voto, propôs soluções alternativas para se poder chegar a um consenso que, de resto, já longamente tinha defendido durante o desenrolar dos conciliábulos realizados no âmbito da discussão deste imbróglio.

Posto isto, vejamos as incoerências do Acórdão, já denunciadas por estes dois juízes conselheiros.

Assim sendo, a direcção de Ngola Kabangu, pela voz de Matondo Bugala, antigo combatente, garantiu ao F8 que a sua organização poderá recolher assinaturas em todo o território angolano e registar-se como FNLA-Original, para, desta forma afastar-se "de uma guerra que não é nossa, mas do Tribunal Constitucional, Lucas Ngonda e MPLA, que têm um pacto diabólico, magistralmente orquestrado por José Eduardo dos Santos".
Este antigo combatente diz que todo este combate contra a FNLA é por ela ser genuína, e o presidente Eduardo dos Santos ser um luso-tropicalista assumido, que visa acabar com um partido genuíno, para assim satisfazer os apetites e vontades dos colonialistas portugueses e seus filhos, aliás, não nos espanta se isso não resulta de pressões dos pais do seu genro, portugueses e que ainda hoje consideram os angolanos, como “pretos indígenas de Angola", asseverou ao F8.

Mas houvesse imparcialidade e o Tribunal Constitucional poderia ir beber uma experiencia que ocorreu no ex Zaire. Perdão estamo-nos a esquecer que os juízes, na altura desta sábia solução, eram belgas, assumidamente brancos e não complexados, como parece ocorrer com os seus congéneres angolanos, que muitos por complexo ainda não se assumem, nem como peixe, nem como carne.

Solução Congolesa
Um caso muito parecido com este que por ora ameaça simplesmente a sobrevivência da FNLA ocorreu na véspera da independência no então Congo Belga, nosso vizinho. Três tendências surgiram antes das eleições, em 1960, no seio do Movimento Nacional Congolês (MNC). Não havia maneira de as reconciliar. A justiça colonial teve de intervir, mas fê-lo conseguindo manter a devida equidistância em relação a um problema que não lhe dizia directamente respeito. Sugeriu então e obteve que só participariam no pleito se dessem uma designação qualquer, exemplificando com as denominações MNC/Lumumba, MNC/Kalonji e MNC/Ileo. Eles participaram nas eleições com estas designações e cada um obteve um certo número de assentos. Os três grupos assumiram isso perante o Tribunal, cuja autoridade se manteve intacta e forte diante de contendores que nunca tinham participado em processos eleitorais.

Portanto, neste caso, a Justiça dispôs do poder de impôr esta solução, mas de qualquer modo salvaguardava a posição e a sua independência.

No caso actual da FNLA, o próprio Tribunal acabou por se transforamr em actor e ao mesmo tempo árbitro, porque reduziu os que têm legitimidade eleitoral (a FNLA tem em Ngola Kabangu um dos cinco representantes no Parlamento nacional) a uma das tendências que se deve subordinar aos que não têm legitimidade nenhuma, e isto na base de um acordo que todos eles pisaram.

Dá a impressão que o TC pensa que deve corrigir o voto dos que não votam neste ou naquele sentido, em vez que se deveria limitar à função de observador e juiz imparcial.

É esse o erro maior do Tribunal Constitucional nesta questão das querelas internas da FNLA numa persistente golpada de catana em capim alheio.

A dada altura, tirando partido do laxismo do velho líder, Holden Roberto, Lucas Ngonda, o protegido do regime e do TC, promoveu um verdadeiro assalto para lhe tentar roubar, sem sucesso, todos os seguidores históricos, não conseguindo, mais do que lhe furtar, um dinheiro, que provinha da subvenção do Estado, por ter deputados na Assembleia Nacional e que foi deviado, para Ngonda, considerado fantoche para uns, mas aliado para outros. .

Quanto ao que se vai seguir, não temos grandes perspectivas, senão as que o Estado se diporá a assentir em nome da sua magnânima bondade.

«Em consciência e no presente quadro legal, não há solução a esta maka, senão, o Estado dar, sem batota, na primeira oportunidade, às correntes opostas a Kabangu (cuja legitimidade assenta nas urnas da Nação, nem sequer já do seu partido tradicional), a possibilidade de adquirir identidade própria, para mostrar a sua capacidade de conquistar o eleitorado. Longe da mera paixão a favor de Kabangu, coloco um problema de princípio da Nação e do Estado de direito, assente na consciência de um jornalista livre, portanto, alforriado deste ou daquele actor, mesmo, vestido da toga» como ressalvou Siona Casimiro.

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