quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Dos Santos será traído e abandonado pelos seus


Luanda - Para compreensão mais precisa da abordagem que o Folha 8 vai fazer neste artigo com enfoque especial sobre a Constituição o melhor será invocar a definição, digamos corrente, mas não oficial, do sistema político angolano que tão bem a caracteriza: «O regime político vigente em Angola é o presidencialismo, em que o Presidente da República é igualmente chefe do Governo, tem ainda poderes legislativos e nomeia o supremo tribunal, de modo que o princípio da divisão entre poderes legislativo, executivo e judiciário, fundamental para um sistema democrático, está abolida».

William Tonet

Trocado em miúdos, esta definição diz bem o que foi cozinhado na Constituição aprovada pela Assembleia Nacional em 27 de Janeiro de 2010, onde não existe a separação de poderes, logo o Presidente tem mais poderes que detinha o monarca inglês, João Sem Terra, que em 1215, por força dos súbditos, foi obrigado a assinar a "Magna Carta", que limitava os seus poderes.
Como os angolanos estão sempre a subir, 798 anos depois dessa conquista constitucional, que limitou os poderes do Rei, na Inglaterra, Angola regressa ao passado, alargando os poderes do Presidente da República, que, ademais, coloca fim a separação de poderes: Legislativo, Executivo e Judicial, funções bifurcadas na mesma pessoa, passando a ser automaticamente eleito uma vez escolhido como número um da lista do partido vencedor das eleições (Poder legislativo), art.º 109.º, sendo o número dois promovido a vice-presidente e ambos adstritos a uma restrição nos termos do n.º 2 do art.º 113.º da Constituição, que impõe a ambos um limite de 2 (dois) mandatos de cinco anos.
Mas a restrição é mais virtual do que real, na medida que não leva em conta o já longevo consulado de JES, com mais de 34 anos de poder quase absoluto, significando tal largueza, ligeireza e e elasticidade de conceitos, que, se ele vier a ganhar as eleições de 1917 continuará como presidente de Angola e poderá atingir os 43 anos no poder. Enfim a democracia angolana, por assim dizer pode igualar-se a de uma república de bananais onde a democracia é uma miragem vista por um canudo!
De qualquer modo, esta é a Constituição que estamos com ela, elaborada no exterior, por especialistas desconhecedores da realidade angolana e aprovada, apressadamente, em Janeiro de 2010 pelos deputados da maioria, que não tiveram sequer tempo de a ler e interpretar.
Numa discussão mais apurada do direito constitucional, eis como Angola tem a divisão dos poderes;
a) Poder Legislativo - o art.º 109, leva-nos a interpretação de ser o Presidente da República, enquanto cabeça de lista do partido mais votado, o verdadeiro chefe do poder legislativo, sendo o actual Presidente da Assembleia Nacional, seu adjunto, tanto assim é que JES, não tomou posse, nem renunciou ao mandato de deputado, pelo qual foi eleito, no 31 de Agosto de 2012, chegando ao cúmulo de tomar posse primeiro que o órgão verdadeiramente eleito: Assembleia Nacional;
b) Poder Judicial - o art.º 119.º, diz competir ao Chefe de Estado nomear o juiz Presidente do Tribunal Constitucional, o juiz Presidente do Tribunal Supremo, o juiz Presidente do Tribunal de Contas, o juiz Presidente do Tribunal Militar, o Procurador Geral da República, bem como todos os adjuntos destes;
c) Poder Executivo - o art.º 120.º diz ser o Presidente da República, titular do Poder Executivo;
Chegados aqui verificamos ter Dos Santos mais concentração de poder, que o Presidente americano, detentor da mala com o segredo das armas nucleares.
De um ponto de vista pode ser bom, concentrar tantos poderes, por nada se fazem sem o seu aval, mas do ponto de vista criminal, Dos Santos, ao abrigo desta CRA é apresentado como o expoente máximo da corrupção, dos roubos, das prisões arbitrárias, dos assassinatos, enfim de tudo que é ruim… ainda que praticado pelos seus lugares tenentes.
Quanto ao novel cargo de Vice-Presidente, ele substitui singelamente e sob tutela integral de JES, a ex-figura de Primeiro-Ministro
O sistema legal baseia-se no português e na lei do costume mas é fraco e indefinido constitucionalmente logo uma figura difusa, sem credibilidade académica.
Como facilmente podemos inferir, estamos a léguas da democracia, o poder legislativo deixou praticamente de legiferar doutra forma que não seja por via de ordens superiores, enquanto o poder judicial integralmente controlado pelo presidente da República é duma aflitiva indigência: tribunais só em 12 dos mais de 140 municípios do país; um Supremo Tribunal que serve como tribunal de apelo e um Tribunal Constitucional com poderes de revisão judicial constituído de facto para servir quase exclusivamente de sumptuoso gabinete de advocacia ao serviço e às ordens do poder presidencia JES.
Tudo isto se deve teoricamente e em boa parte aos assessores de JES, que talvez, por não gostarem dele, lhe prepararam uma armadilha de que ainda não se deu conta. É que a Constituição, de tão atípica que é, concentra todos poderes num só homem e JES acreditou que isso seria uma boa coisa para alimentar a sua vaidade. O problema é que esta constituição tem um defeito para o MPLA, ela foi feita, repetimos, no exterior por pessoas que não vivem nem conhecem a realidade angolana e aprovada por gente que não a leu. Tanto assim é que de tempos a tempos são os seus próprios “progenitores” que a renegam quando se lhes descobrem deficiências, carecas e mesmo borradas.
Por outro lado, para a oposição o seu teor é bom, será mesmo ouro sobre azul quando ela, a oposição, chegar ao poder, pela facilidade que terá em julgar JES.
Este último, satisfeito com a concentração de poderes, esqueceu-se de ver a tremenda concentração de responsabilidade criminal que os seus constitucionalistas lhe armadilharam, pois nenhum ministro é responsável! Está escrito preto no branco que ministros, secretários e outros altos dignitários dispondo de algum poder de executar, em boa verdade apenas executam ordens, são meros auxiliares, logo se um ministro roubar 100 milhões e for apanhado, o responsável é Dos Santos, como titular do poder executivo. Igualmente se um ministro assassinar ou alguém do seu gabinete um cidadão, o responsável final é Dos Santos, enquanto titular desse absoluto e ilimitado poder, vide artigos 119.º, 120.º e seguintes.
Não é tudo, pois esta Constituição da República de Angola (CRA) mostra também o facto de Dos Santos parecer não gostar nem estar preocupado com o futuro dos filhos, o que sabemos não ser verdade, mas assim teatralizar a CRA. Recorrentemente, quando lhe colocam perguntas atinentes ao alegado enriquecimento ilícito dos filhos, refugia-se no facto da responsabilidade, na maioria das vezes ser de ministros do seu gabinete que lhes facilitam em demasia a vida, dando oportunidades de fazerem negócios chorudos com muito mais facilidade que qualquer "vulgum peccus", logo não podendo ser acusado.
Ledo engano.
Os ministros enquanto auxiliares, não têm pois responsabilidade igual a do titular do poder executivo, logo cumprem ordens deste, portanto pode ser acusado de mandante, que violou o número 2 do art.º 23.º da CRA: "ninguém pode ser privilegiado pela sua ascendência (…)", ora aqui os filhos de JES são privilegiados pelo óbvio da condição e quando o pai diz ser responsabilidade dos ministros colide com o preceito constitucional dos ministros serem meros auxiliares.
Mas mesmo que se revogue algumas normas constitucionais, como a lei não tem efeito retroactivos, teremos que o responsável é JES.
Assim o que se passa com o aumento dos impostos, a roubalheira nos direitos aduaneiros, a proibição dos indígenas importarem carros e peças com mais de três anos, a discriminação política, as prisões arbitrárias, o derrube das casas dos pobres pelo país, quem ordena os assassinatos políticos e selectivos, quem cria e dirige um sistema ruim de Educação e Saúde para os pobres é JES, logo uma série de actos como já ocorreu com outros presidentes pelo mundo afora, aqui também, serão da inteira responsabilidade de José Eduardo dos Santos, que estará sozinho, num eventual julgamento, por abandono de muitos dos seus, numa qualquer alteração do poder. Moubarack, no Egipto e Fujimori no Peru, ainda são exemplos vivos e a mão de semear.

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