segunda-feira, 14 de outubro de 2013

"Interfaces da Lusofonia" Orlando Castro



Caros Amigos/as,

Para os efeitos achados (in)convenientes tenho o prazer de levar ao vosso conhecimento o texto da intervenção que hoje fiz na Conferência Internacional "Interfaces da Lusofonia", que teve lugar na Universidade do Minho, Braga, Portugal.

Grato,
Boa tarde meus senhores e minhas senhoras.
Permitam-me uma saudação especial a todos, com destaque para os companheiros presentes aqui na mesa, bem como um caloroso agradecimento e saudação à Universidade do Minho, na pessoa de Lurdes Macedo, por esta nobre iniciativa.
A minha experiência no meu blogue revela que foi um, embora salutar, exercício de suicídio. Tratando sobretudo mas não só do que se passa em Portugal, país de acolhimento, e em Angola, país natal, estive sempre no fio da navalha. E foi por isso que vezes sem conta fui apunhalado, quase sempre pelas costas.
Desde 2006 publiquei mais de 5.300 textos num blogue que, desde nascença, adoptou como diapasão as teses de que o poder das ideias tem de estar acima das ideias de poder, isto porque não se é Jornalista seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado e, ainda, a apologia de que a força da razão vale mais do que a razão da força.
A esta ideia suicida juntei a estrita obrigação de me apresentar desde a primeira hora com nome, rosto, e identificação.
Então sabia ao que ia, perguntar-me-ão?
Sabia sim senhor. Sabia que tanto em Portugal como em Angola, mas não só, os donos do poder preferem ser mortos pelo elogio do que salvos pela crítica. Sabia que estava rodeado de gente esperta que, como tal, está sempre na primeira fila para ser vista. Tal como sabia que os inteligentes estavam sempre na última, para verem.
No primeiro texto publicado, em 29 de Agosto de 2006, escrevi que o blogue era só mais uma das facetas da aventura de acreditar que as palavras voam, mas que os escritos são eternos. Tão eternos quanto o engenho e a arte de quem entende que dizer o que pensa ser a verdade é uma das qualidades mais sagradas. Escrevi também que não era uma missão impossível, acrescentando que, mesmo que assim fosse, estaria na primeira linha porque, de facto, o possível faço eu todos os dias.
Como não escolhi o anonimato ou o pseudónimo, estratégia seguida por muitos dos arautos flutuantes que proliferam pela Lusofonia, tornei-me um alvo fácil. Como comecei a publicar no blogue o que não me deixavam publicar no jornal em que trabalhei 18 anos (o Jornal de Notícias), tornou-se visível que teria de ser abatido. E assim aconteceu, cerca de três anos depois.
Fui abatido mas não fui derrotado porque, como sempre me disse o jornalista William Tonet, director do único jornal angolano independente, o Folha 8, só seria derrotado se deixasse de lutar. Não deixei de lutar mas, reconheço, estive muito perto disso. Não por ter sido obrigado a aprender a viver sem comer, mas por ver a família na mesma situação.
No meu blogue, onde mais poderia ser?, defendi que se não fosse possível deixar às gerações vindouras algum património, ao menos os Jornalistas deveriam lutar para lhes deixar algo mais do que a expressão exacta da nossa incompetência e cobardia, visível quando a subserviência substitui a competência.
Aprendi, e já lá vão 40 anos, que na profissão de Jornalista a única tarefa humilhante é a que se realiza com mentira, deslealdade, ódio pessoal, ambição mesquinha, inveja e incompetência.
Também aprendi que se o Jornalista não procura saber o que se passa no cerne dos problemas que o rodeiam, é, com certeza, um imbecil. E se o Jornalista consegue saber o que se passa mas, eventualmente, se cala é um criminoso.
Por outras palavras, os jornalistas deixaram de ter a sua própria personalidade profissional, travestindo-se de acordo com a verdade absoluta que, tanto quanto parece, é genética em alguns.
Aliás, não deve haver na história de Imprensa mundial melhores jornalistas especializados no que os outros (sobretudo os outros do lado de dentro a mando dos do lado de fora) querem que eles digam, do que os portugueses.
Acresce, para mal dos meus pecados (digo eu), que a precariedade profissional de muitos os obriga a aceitar fazer tudo o que o «chefe» manda (mesmo sabendo que este para contar até 12 tem de se descalçar).
Ao contrário, pudera!, do que acontece no meu blogue, em nenhum outro lugar me foi permito escrever que José Sócrates e Passos Coelho são farinha do mesmo saco. Em nenhum outro sítio consegui escrever, neste caso com a excepção do Folha 8, que José Eduardo dos Santos é, para além de um ditador, um dos políticos mais corruptos do mundo.
Com este enquadramento era óbvio que, em Portugal, os donos dos jornalistas, a mando dos donos dos donos, consideravam que o preço que eu deveria pagar era o desemprego… para sempre. E se bem o pensaram, melhor o executaram. Por outro lado, em Angola, consideraram – como ainda consideram – que um jornalista bom é um jornalista morto.
Curiosamente, embora sofrendo ameaças de todo o género, importa distinguir que, por regra, os sipaios portugueses atiram a pedra e escondem a pata, ao contrário dos de Angola que – sabedores da impunidade de que gozam tanto em Luanda como em Lisboa – não têm dificuldade em mostrar-se.
Por suposto abuso da liberdade de imprensa por textos publicados no Alto Hama tive de me defender judicialmente de duas queixas, sendo que em ambas se provou que eu tinha razão. Foram as duas movidas por supostos jornalistas. José Meireles, delegado da Lusa em Timor-Leste, e Artur Queiroz que presta serviços no órgão oficial do regime, o Jornal de Angola.
Também escrever que a CPLP – Comunidade de Países de Língua Portuguesa, é um elefante branco é meio caminho andado para o cadafalso. Mas, para mim, a dita CPLP é uma treta, e a Lusofonia é uma miragem de meia dúzia de sonhadores. O melhor é mesmo encerrar para sempre a ideia de que a língua (entre outras coisas) nos pode ajudar a ter uma pátria comum espalhada pelos cantos do mundo.
E quando se tiver coragem para oficializar o fim do que se pensou poder ser uma comunidade lusófona, então já não custará tanto ajudar os filhos do vizinho com aquilo que deveríamos dar aos nossos próprios filhos.
É claro que na lusofonia existem muitos seres humanos que continuam a ser gerados com fome, nascem com fome e morrem, pouco depois, com fome. Mas, é claro, morrem em... português... o que, se calhar, significa um êxito para a CPLP.
O moçambicano Tomaz Salomão, secretário executivo da SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral), foi quem melhor definiu a realidade africana, definição essa que também se aplica à CPLP. Quando confrontado com a presença de muitos regimes ditatoriais disse: "São ditadores, mas pronto, paciência... são as pessoas que estão lá. E os critérios da liderança da organização não obrigam à realização de eleições democráticas”.
Por último, agradecendo a vossa paciência, deixem-me explicar que apesar de todo este cenário negro, tem valido a pena pensar pela minha cabeça e não aceitar uma coluna vertebral amovível.  E tem valido porque, afinal, estou apenas a cumprir a missão de dar voz a quem a não tem, a missão de lutar contra os poucos que têm milhões e que se esquecem dos milhões que têm pouco… ou nada.
Muito obrigado.
        Orlando Castro
     Jornalista (CP 925)
A força da razão acima da razão da força
http://www.altohama.blogspot.com
http://www.artoliterama.blogspot.com

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